Amen, Miguel. Agir num mundo hostil - a ameaça naturalista à dignidade humana (Orientadora: Sofia Miguens)

Dois temas são centrais neste trabalho: o problema da causalidade mental e o problema do livre-arbítrio. Estes problemas têm, a meu ver, uma conexão natural no facto de ambos colocarem em causa uma concepção do mundo – aquela na qual há agentes.

O meu trabalho pode ser visto então como mais uma tentativa de conciliar as duas imagens do mundo; a imagem manifesta e a imagem científica. A imagem manifesta apresenta o homem como essencialmente um agente, que devido à sua capacidade de deliberação e decisão é capaz de intervir no mundo. A imagem científica apresenta o homem como um sistema complexo físico, sujeito às leis naturais. O meu interesse no problema da causalidade mental e do livre-arbítrio depende em parte do meu interesse em saber como é possível defender uma autoconcepção na qual noção de agência é proeminente. Nesta autoconcepção nós temos responsabilidade moral e dignidade, por vezes agimos de modo admirável, noutras contudo inspiramos indignação. Mas esta concepção perde-se – tudo que faz da vida racional diferente e valiosa cai por terra – se não conseguirmos criar distância entre nós e as marionetas no que respeita à capacidade de agir. A dificuldade está em conciliar esta visão de nós próprios – e minimamente este querer ser mais do que marionetas - com a ordem natural ou científica. Há uma ligação entre estes problemas. Porque é que é importante que tenhamos respostas positivas para o problema do livre-arbítrio e da causalidade mental? Porque é que nos preocupamos com eles? A resposta, parece-me claro, é a de que a nossa concepção de agência, que é central para a imagem manifesta, está em jogo.

No primeiro capítulo desenvolve-se a ligação íntima entre o problema da causalidade mental e do livre-arbítrio. Porque é que é importante que tenhamos respostas positivas para o problema do livre-arbítrio e da causalidade mental? Porque é que nos preocupamos com eles? A resposta, parece-me claro, é a de que a nossa concepção de agência, que é central para a imagem manifesta, está em jogo. Ao explicitar esta resposta quero tornar claro que esta ligação é profunda e que estes problemas são dois lados da mesma moeda.

No segundo capítulo discuto o problema da causalidade mental. Veremos como as mais importantes teorias naturalistas do mental carecem de uma explicação da causalidade mental. Aqui desenvolverei razões que apontam para um cepticismo acerca de uma solução positiva deste problema enquanto se aceitar a camisa-de-forças do naturalismo. Há uma tensão entre os compromissos metafísicos do naturalismo e das teorias de mente que vamos discutir que parece levar ou ao epifenomenismo ou à eliminação do mental. Em ambos os casos uma das condições para a agência, a causalidade mental, não se verifica.

No terceiro capítulo considero o compatibilismo e discuto a formulação do problema do livre arbítrio. Defendo a noção de controlo baseada no princípio de possibilidade alternativas como uma noção indispensável para a responsabilidade moral. Aqui tento mostrar porque não sou compatibilista e discuto vários argumentos contra o compatibilismo. Especialmente importante nesta secção será a defesa do argumento da consequência, de Van Inwagen, onde se mostra que não há possibilidades alternativas num mundo determinista. Defendo que este argumento é extremamente plausível, e que o facto de não ser tão apreciado como devia na comunidade filosófica se deve a um preconceito contra o incompatibilismo – que é hostil ao naturalismo – e não devido aos méritos do argumento. Aqui, usando instrumentos e conclusões obtidas na discussão da causalidade mental, defenderei que a tese que diz que o compatibilismo é a posição natural do naturalismo não pode ser pressuposta e tida com garantida sem uma solução do problema da causalidade mental. Não há compatibilismo sem este.

No quarto capítulo discuto as experiências mentais de Frankfurt. Para um incompatibilista que acredita no princípio das possibilidades alternativas estas apresentam um desafio brutal. Aqui, além de mostrar a importância e imaginação destas experiências, discuto várias objecções à mesma. A respeito da objecção do dilema tento mostrar que o compatibilista frankfurtiano pode defender-se, com base numa modificada experiência mental de Frankfurt, por mim desenvolvida. A objecção das centelhas de liberdade é então explorada e mostro que esta nos leva um impasse na discussão – mostra-se aqui que a velha discussão entre o compatibilista e o incompatibilista acerca das possibilidades alternativas surge outra vez mas com uma roupagem diferente. Assim entendida as experiências de Frankfurt não são um passo em frente na discussão, mas o ensaiar das mesmas velhas intuições de um modo diferente. Insatisfeito com esta resposta tento mostrar, com algumas reservas, que a intuição que o incompatibilista tem perante as experiências de Frankfurt pode não ser o que se pensa – e ser sim compatível com o seu incompatibilismo. Para isto decomponho a intuição com um argumento novo.

No quinto capítulo, o mais longo, considero posições positivas do incompatibilismo e a sua relação com o problema da sorte. É defendido que o problema da sorte é a maior objecção ao libertismo. Analisarei com especial cuidado o que considero ser a melhor teoria libertista naturalista em existência, a teoria de Robert Kane. Infelizmente veremos que também este sucumbe exactamente a esta objecção. Considerarei vários modos de a melhorar, mas a nota final é de cepticismo.

No sexto e último capítulo considero o naturalismo e discuto vários problemas de meta-filosofia. Em particular discuto e tento defender a importância de argumentos transcendentais na filosofia, e como ter estes presentes pode aliviar o desconforto que as conclusões anteriores de cepticismo quanto à possibilidade de dignidade humana podem causar - a ameça naturalista à dign



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