Scientiae rerum e filosofia natural : século XII

09-03-2012

Scientiae rerum e filosofia natural : continuidades e rupturas no século XII

FLUP, 9 de março 2012 - Sala 203

1ª jornada

Programa

Das 9h30 às 12h30


Das 12h30 às 14h30 : almoço

Das 14h30-18h30


2ª jornada

(data e comunicações a anunciar)



Século de « Renascença» e  de « descoberta da natureza », século das catedrais, de extraordinária dinamização da vida material e urbana, de « revolução escolar » e da emergência dos intelectuais, o século XII representa, simultaneamente, tanto o apogeu da cultura e do legado científico e filosófico antigo, como a abertura decisiva a uma outra renascença, externa esta, resultante do encontro com as fronteiras árabo-latinas da Cristandade e do vasto movimento de traduções a que então se assistiu.
O objetivo desta jornada, bem como da próxima, prevista para novembro, consiste precisamente em examinar o sentido, alcance e limites das numerosas mutações do saber científico compreendidas entre finais do século XI e finais do século XII – mais precisamente, até à entrada dos libri naturales de Aristoteles.

O século XI conhecera já um interesse profundo e crescente, em certos meios, pelos textos de filosofia natural que constituíam o legado da Antiguidade, muito particularmente pelo relato cosmológico do Timeu, lido com o auxílio do De nuptiis Philologiae et Mercurii de Marciano Capela, do Commentum in Somnium Scipionis de Macrobio, da Consolatio Philosophiae de Boécio. Paralelamente ao estudo deste corpus de ‘platonismo científico’ ou ‘naturalista’ começamos a assistir, nesses mesmos meios e nos círculos mais ou menos estreitamente ligados à herança de Gerberto de Aurillac (futuro papa Silvestre II) e de Abbon de Fleury, à produção de textos autónomos, de teor mais eminentemente prático e relativos, em particular, ao computo e à utilização do ábaco, à construção e à utilização do astrolábio. Nestes textos, em que é possível detectar as primeiras infiltraçoes ténues da ciência arabe – sobretudo no corpus relativo ao astrolábio – assim como nos comentários aos auctores, afirma-se progressivamente uma representação do cosmos e do mundo natural como dotado de uma autonomia própria, animado por um conjunto de causas que lhe são próprias e imanentes, regido por princípios a que se devem conformar, e que devem saber exprimir, as respetivas disciplinas.
As críticas precoces de que foi alvo esta nova postura filosófica e científica, que rompia com uma consideração essencialmente simbólica e moral da obra do Criador e do Livro da natureza, foram impotentes para deter este formidável impulso, a cuja florescência assistimos ao longo de todo o século XII. No seu célebre Tractatus de sex dierum operibus, Teodorico de Chartres reivindica um conhecimento da natureza assente em causae ou rationes, as quais são conformes às quatro vias de acesso ao conhecimento das coisas (scientia rerum) ou quadrivium, mais precisamente : à aritmética, à musica, à geometria e à astronomia. E’ precisamente dessa maneira que o mestre chartrense se propõe, numa formulação tão explícita quanto célebre, explicar a criação, ou obra dos seis dias, de acordo com a physica (secundum physicam). A mesma exigência de um conhecimento do cosmos e do mundo natural assente no encadeamento necessário das causas imanentes é proclamada por autores tão diversos (e tão próximos, afinal), quanto Guilherme de Conches ou Pedro Afonso, Hermann de Carinthia, Raimundo de Marselha ou Adelardo de Bath, para citar apenas alguns.
O amplo movimento de traduções, feitas sobretudo a partir do árabe, que então se difunde é uma evidente tentativa de resposta a essas novas exigências, face à constatação da exiguidade do legado tardo-antigo. Desde finais do século XI, a medicina galénica, e com ela a sua sólida estrutura teórica ancorada na physica dos elementos, faz a sua entrada no Ocidente latino através das traduções de Constantino Africano, e em particular do Pantegni. E’ também no Pantegni que encontramos uma distinção explícita entre theorica e practica, a qual conduzirá em breve, sob influência da ciência árabe, a uma verdadeira reflexão sobre o estatuto epistemológico das diversas ciências. Dela resultará a subdivisão das disciplinas do quadrivium, tornado apto, desta maneira, a integrar as ciências exactas (ótica, engenharia, etc). Adaptando a classificação das ciências de al-Farabi, o De divisione philosophiae, de Domingos Gundisalvi, é o testemunho mais eloquente da recomposição e da organização das ciências – e da obsolescência cada vez mais patente da estrutura epistemológica do velho quadrivium.
Para além da medicina, é a matemática, a astronomia e a astrologia que têm a preferência dos tradutores. Textos astrológicos como o Introductorium maius de Abu Ma’shar, traduzido por João de Sevilha e depois, novamente, por Hermann de Carinthia, são, de resto, riquíssimos meios de transmissão da filosofia natural de Aristóteles. No seu conjunto, as escolhas dos tradutores exprimem uma afirmação de inteligibilidade do mundo natural concebido como unidade orgânica e sistema ordenado de causas, fundado e garantido, em ultima instância, pela ordem superior da causalidade e do determinismo astral. Physica terrestre e physica celeste são complementares e inter-dependentes. Textos herméticos, divinatórios, mágicos fazem igualmente a sua entrada, ao abrigo da afirmação da unidade e coêrencia do cosmos e da dinâmica das forças e princípios em ação no mundo sub-lunar.
Nas duas jornadas que propomos pretende-se estudar e determinar, justamente, as especificidades do desenvolvimento téorico e científico do período imediatamente anterior à introdução da filosofia natural de Aristóteles, com um acento particular em três questões maiores :

Vera Rodrigues


Coordenação e programa: Vera Rodrigues.
Organização do Gabinete de Filosofia Medieval/IF no âmbito dos RG Reason, Sciences and Nature in Medieval Philosophy - RG Heuristics and Sources, integrada no seminário informal de Filosofia Medieval 2012
Financiamento: Fundação para a Ciência e a Tecnologia

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